quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

DIÁRIO DE BORDO

Desculpem a verborreia, mas a noite dá-me p'ra isto. Aí vai, sem os acertos devidos a paginas tantas do politicamente correcto:

MILU – Motus-Incomparabilis-Lucidus-Unus

Clube motard de propensão gastronómica-rodoviária.
Enfim, um grupo de gandas malucos que andam p’aí a empanturrar-se
e a dar cabo do coirão por uma causa perdida.


ABRANDAR, OLHAR, INCLINAR e ACELERAR

A sério que não sei por que “causa perdida” ando por aí “a dar cabo do coirão” em cima de uma mota. Perdidas haverá muitas causas, mas não será o caso desta. Manter uma paixão é salutar, parece-me, e mais ainda quando vem ela lá de longe, de tempos imberbes. E saudável é também estar com amigos, deleite que, na circunstância em apreço, acontece por via da alegria de enrolar o punho em grupo, estrada fora a seguir o roncar dos muitos cavalos-força reunidos na alcateia (“manada” é nome demasiado ruminante e o espírito, mau grado os anos, pretende-se que seja ainda o do “Born To Be Wild”...). Acresce, por fim, o facto de cada saída nos conduzir a paisagens outras que as habituais e desembocar, sempre, à mesa de um restaurante simpático. “Causa perdida”? Estou certo que não. Abordar curvas, abrandar, olhar, inclinar e acelerar. Conviver. Que prazer, apesar da dor nas costas...

GENESIS

Seguro não estou é de como tudo começou. Foi ideia repentina, na qual não meti prego nem estopa, quero dizer, nem mudança nem cavalinho. O Desporto e as Artes cruzaram-se à saída da Escola e, na decisão de quem tem mesmo de espairecer, trocaram de menina dos olhos e lá foram, parece que até à Ericeira, o mar logo aqui, na ponta da auto-estrada. Não sei outra vez, mas entre caracóis e outra bejeca lá apalavraram o útil da camaradagem ao prazer do ronronar do motor entre pernas, controlado. O problema é se os pneus estão carecas e quadrados, sinal dos quilómetros possíveis e do pouco arrojo, quem sabe. Outra estória, essa. Nesta, consta nos registos do boca a boca ter depois o Desporto aliciado a Filosofia, chamando-a à razão das duas rodas bem assentes no asfalto dos dias. Daí ao resultado final bastou, isso sei, meio punho e leve toque de embraiagem. A eles, desportistas artistas filósofos, cedo se ligaram Ciências e Línguas, até clássicas ou clássicas até, com as Literaturas a espreitar ao retrovisor (raras vezes, seja dita a verdade...). Resumindo: total interdisciplinaridade, sem taxas nem metas, salvo novas curvas com restaurantes à saída. Veio um sábado livre em final do ano lectivo passado, com Évora na ponta da roda da frente. E fomos. Seis velhos putos profs, em cinco meninas montados (atenção: eram elas maiores de 500 cm3).

Obs.: É aconselhável irem agora ao You Tube. Procurem os Steppenwolf, grupo canadiano que, nos finais de sessenta do século passado (Deus meu, como acelera o tempo!), tornou famosa a referida canção “Born To Be Wild”, conhecida também por integrar a banda sonora do filme “Easy Rider”, de Dennis Hopper, com o próprio e Peter Fonda nos papéis principais. Oiçam, mas evitem os covers.

EM BUSCA DO ALCATRÃO PERDIDO

De Mafra a Évora vai-se num pulo, pela auto-estrada. Viagem vulgar, é verdade. Mas foi a primeira “em busca do alcatrão perdido”. E certo é, também, que demos com a divinal “Quarta-feira”, taberna típica no centro da cidade, rua estreita e histórica, perto do Templo de Diana. O dono nem sequer nos mostrou a lista:
– Os compadres vêm de mota? Lá de Mafra? Então sentem-se, sentem-se, meninos. Eu cá sei do que gostam...
E vieram as entradas de cogumelos com molho de azeite e alho e coentros, de paio e presunto e queijo e pão alentejano, e mais a carne, alguém se lembra do nome do prato?, e ainda o tinto, como se chamava?, e os doces, há quantos anos eu recusava a sobremesa?
– Nãa, o menino tem de comer o docinho, tem de o comer!
Uff! Após o repasto, e dada a canícula, sentámo-nos numa esplanada da Praça do Giraldo, também perto. E foi aí que à baila veio o nome “Milu”, vá lá saber-se porquê... Arrancámos. O Armindo na sua Suzuki GSX 1100 F, o Martinho na BMW 1150 RT, o Rosa e o Valentim na imponente Honda GoldWing, o Carlos na Honda CBF 1000 e eu na velhinha e fiável BMW F 650. O regresso fez-se na ponta da unha, com paragem na área de serviço de Alcochete, à espera e para dar descanso adivinhem a quem, aflito que estava com a força do vento...
Seguiu-se Almeirim, o “Paulus” e a sopa de pedra, mais o sável e o pernil e, sobretudo, o Tejo e as estradas secundárias da lezíria ribatejana, até darmos com a Azinhaga, terra de José Saramago. Veio o Ismael connosco, a bordo da GoldWing e a passar uma por outra vez pelas brasas, com o Valentim à pendura na RT do Martinho, já à espera do seu exame de condução. Imaginem: cinquenta e poucos anos e deixa-se ser picado pelo bichinho das motos! Grande Valentim! No entretanto, já o Carlos se pavoneava (mentira, que ele até nem é de vaidades), montado na sua brilhante BMW R 1200 ST. Saímos de Mafra à chuva, mas passámos por Santarém sob um calor que só não era de rachar porque a tarde caía. Ainda parámos, ao que esta gente me obriga!, no Campera, pois havia quem quisesse comprar um capacete XPTO a preço de saldo. E foi bem comprado. Não só por ser barato, mas por ser seguro, que nisto de andar de mota não há nada como nos defendermos a preceito. E lá fomos para Mafra, com eles a muitos à hora, palavra do Ismael.
Na calha veio depois Peniche, onde as sereias andam de Honda Varadero, o Armindo que o confirme. Seja como for, foi uma motard de sonho quem, depois do Cabo Carvoeiro e os corvos e o mar e as Berlengas ao fundo, nos indicou o caminho para o “Estelas”, onde nos deparámos, e debatemos, com uma caldeirada digna de musas. Tão digna delas que a conversa logo deslizou, animada e amiga, entre Vergílio Ferreira e Saramago, a arte do mergulho, a arqueologia submarina e o dar aulas, apanhar percebes ou mexilhão e deixá-los no ponto, no prato. Lagoa de Óbidos, logo após o debate. Um café e mais bate-papo, numa esplanada à beira de água. No regresso, acabámos por nos separar do Carlos. Atrasado pelo trânsito no Cadaval, preferiu a A8, enquanto nós optámos pelas curvas do Bombarral. Chegou mais cedo a casa, ao passo que a gente, já escuro, ainda se perdeu à lareira do Ismael, entre uma fatia de queijo, um copito de bom tinto e as preocupações do costume, Milu oblige.
Sesimbra no horizonte, aos trinta dias de Dezembro do ano da graça de 2008. Devia ser o baptismo de fogo do Valentim, mas o próprio achou, e bem, que os nervos da aprovação no exame ainda estavam demasiado à flor da pele e atrapalhavam os comandos da sua Virago. Seguiu no sossego da GoldWing, e lá rumámos ao “Escondinho” e à feijoada de gambas. Ida e volta impecáveis, com a sensação de liberdade que só se tem quando se entra em Lisboa de mota, pela ponte 25 de Abril. Resta que, alguns dias depois, o Valentim se baptizou mesmo, diante de um bacalhauzinho com todos, aqui nas Arroeiras, comigo e o Armindo como segundos padrinhos. Na verdade, o primeiro até foi o Rosa, mas disso não se lavrou acta. Parece que nessa primeira cerimónia alguém baralhou as mãos, situação que, em duas rodas, dá quase sempre origem ao inevitável.

SÓ ESTOU BEM EM CIMA DELA

É verdade, Carlos! Neste último fim-de-semana, com tanto vento e chuva, limitei-me a limpar a menina. Se fosse no tempo da 50 cm3 sem marca definida, teria no mínimo ido até à Ericeira. Assim, dei-lhe lustro e pus-me a ouvir blues, sentado nela, quieta no descanso central. Lembrei-me aí que o Valentim até já tem uma Honda Deauville e que só esse entusiasmo nos diz estar na altura de nos fazermos à estrada. Só se está bem em cima dela, não é? É. Mas a rolar no alcatrão por encontrar.

1 comentário:

Armindo S. disse...

Até que por fim o vate se decidiu...

 

interesting